22 enero 2008




Os teus sonhos...


É nestas horas tristes que fico só, a pensar. E os meus pensamentos vão-se distanciando de mim, até que lá, longe da tua forma mortal, prevaleces como esses eternos viventes. Ali continuam as manifestações mais completas da tua vida, o teu pensamento e a tua arte. Contagiavas-nos com a vida que entendias como um repertório de possibilidades infinitas, magníficas e exuberantes. Fazias-nos sentir como formigas num mundo que se multiplicava aos teus olhos, ou como deuses capazes de criar mundos novos. Até a liberdade forçada de quem tem que constantemente decidir o seu destino, surgia ante ti como a maravilhosa opção de não decidir, de se abandonar ao acontecer. Aí residia a tua genialidade, a tua capacidade para criar e transformar. Mas nesta perfeição da criatividade, não sabias sonhar, os teus sonhos eram únicos, limitados, frágeis e possíveis, arrastando-te à verdadeira desilusão. Um dia ficaste a viver no teu sonho, a residência da tua solidão. A voz que ninguém ouviu. Abandonaste o mundo que te desiludia e entregaste a tua grandeza aos deuses, o trágico destino dos teus sonhos. Embora a injustiça não faça parte dos elementos da natureza, para nós não há deus que nos console. Enquanto a tua extraordinária presença sobrevive entre nós, continuaremos a viver mantendo a esperança mágica de te reencontrar.

10 enero 2008

Há dentro de nós um poço

Há dentro de nós um poço. No fundo dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a fonte do que nos enriquece no em que somos humanos. E a vida exterior, o assalto do que nos rodeia, o que visa é esse íntimo de nós para o ocupar, o preencher, o esvaziar do que nos pertence e nos faz ser homens. Jamais como hoje esse assalto foi tão violento, jamais como hoje fomos invadidos do que não é nós. É lá nesse fundo que se gera a espiritualidade, a gravidade do sermos, o encantamento da arte. E a nossa luta é terrível, para nos defendermos no último recesso da nossa intimidade. Porque tudo nos expulsa de lá Quando essa intimidade for preenchida pelo exterior, quando a materialidade se nos for depositando dentro, o homem definitivamente terá em nós morrido.

Vergílio Ferreira