21 febrero 2008




Continuamos à espera do telefonema, parece que o tempo ficou parado, é angustiante. Há uns minutos atrás ela tentava tocar uma peça no piano, mas não conseguiu. Eu há meia hora que releio a mesma página do jornal. Hoje é um dia que vai ficar marcado nas nossas vidas, nem sei bem o que hei de fazer, falo com ela, fico calado, o que será que ela precisa? Está a sofrer, sei que está a sofrer, mas nem um lamento, mantém-se em silêncio, quase imóvel. Bem, pelo menos a minha companhia não a incomoda, podia ter regressado ao quarto onde passou a maior parte do dia e ainda não o fez. Embora também possa ter vindo simplesmente para tocar piano e é a minha presença a que não a deixa concentrar-se nas músicas, e se assim fosse? O que é que eu faço? Posso ser educado e perguntar-lhe se quer que me vá embora,… que disparate! É claro que não a vou deixar sozinha num momento destes…amo tanto esta mulher! A tenho amado em segredo todos estes anos, ela nem imagina o esforço que tenho feito para aprender a ama-la sabendo que ela nunca será minha.
Há uns anos atrás queria possui-la, desejava o seu corpo, a sua vida. Com o tempo habituei-me a vê-la nos braços do Jorge, e o meu amor foi mudando, mas não por isso ficou menos intenso. Aprendi a amar os seus gestos delicados, o passar do tempo nos seu rosto, as pequenas rugas à volta dos olhos, os seus cabelos brancos que ela tanto detesta, a sua voz, a sua gargalhada, a sua falta de jeito na cozinha, …em fim, e hoje cá estou eu, mais uma vez, a encantar-me com a sua presença.
Está linda, nunca a tinha visto com esse vestido vermelho, deve ter sido uma prenda do Jorge. Tenho que reconhecer que ele sempre soube como agrada-la. Sempre me pareceu feliz ao lado dele e, embora possa parecer ridículo ou uma desculpa para a minha falta de coragem, este facto sossegava-me e fez com que durante todos estes anos me conforma-se com ser o espectador da sua vida.

...