22 julio 2008




Posso escrever os versos mais tristes esta noite

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda

18 julio 2008

06 julio 2008

Ele:
Marcamos um novo encontro. É assim desde há três anos, telefono-te e tu estás sempre disponível para mim.
A minha vida está demasiado preenchida com o “que tem que ser”: o escritório, a gravata, a mulher, os filhos... Tu nunca colocas questões, também não estou à espera que o faças, aliás até agradeço esse teu aparente ar desinteressado com o que habitualmente me rodeia. Eu também nada pergunto, só pretendo aquela imagem, aquele espaço em que abres a porta do teu jardim para mim. Esse local imaginário no qual, por momentos, posso esquecer a vida lá fora e sentir-me livre e rei.
É após estes encontros que compreendo como tu preenches a minha rotineira existência.
Já tentei deixar-te. Vivemos numa sociedade carregada de preconceitos relativamente a este tipo de relações. Fizeram-me sentir egoísta, desonesto, pecador e até psicopata. Mas ninguém percebe, por muito que eu tente explicar que és tu a que me permite manter vivo, és a fonte onde vou beber a agua necessária para continuar neste emaranhado de responsabilidades do qual não posso sair.
Também pensei em ti, tinha receio de estar a empatar a tua vida; até descobrir que o nosso segredo afinal também preenchia a tua vida.
Mas ontem, pela primeira vez nestes três anos, chegaste diferente.
Ela:
Enquanto vou ter contigo mantenho a esperança de encontrar em ti alguém em quem refugiar-me, tenho tanto para contar, preciso que me ouças, que me compreendas.
E os nossos encontros são sempre assim. Eu chego cheia de solidão para ser partilhada. As vezes, até parece que queres saber de mim, …mas não, mais uma vez apenas queres satisfazer o teu desejo. Houve tempos em que as carícias, os beijos, …eram suficientes para dar-me alento e continuar.
Mas agora preciso falar, não procuro só sexo. Ontem, pela primeira vez, ao sentir a tua falta de disponibilidade para mim, despedi-me desajeitadamente.
O que ficaste a pensar, não sei, nem me interessa. Sai com o meu mesmo vazio, com a mesma solidão, com a sensação de, mais uma vez, ter procurado na pessoa errada.