04 julio 2009

MAIS UMA CARTA QUE TE ESCREVO

Hoje reparei na quantidade de cartas que te tenho escrito e que tu nunca vais ler. Desta maneira tenho conversado contigo, uma estranha forma esta de conversar quando ninguém nos ouve, mas enquanto escrevo tu ficas perto de mim, à distância que separa a caneta do papel. A medida que transcorre a escrita, as palavras vão-me aproximando ou afastando de ti e vou-me deixando levar por esta ondulação que eu próprio dirijo.
Hoje queria ver-te, com tantas ganas que o facto de não te ter visto criou-me a mais terrível das angústias. Nem imaginas o difícil que é viver com a tua ausência. Mas eu posso “sou forte”, é isso que dizem os outros, pois eles não sabem, não chegaram a conhecer a minha fragilidade como tu a conheceste, lembras-te? Incomodava-te tanto! . Tu conheces melhor que ninguém a minha dificuldade para falar dos meus problemas. Sou do tipo de pessoa a quem parece que nunca nada de mau acontece, sempre com a minha boa disposição e o meu sorriso social para os outros. As vezes penso que devia ter feito como dizia o escritor “Não te confessarei o meu sofrimento, porque ele te faria desgostar de mim”.

Para além das cartas que te escrevo mantenho outros pequenos afazeres pelos quais continuo a minha existência ligado a ti. Ouço as músicas que nos uniam e imagino como seria se nesse momento estivesses a ouvi-las comigo, fecho-me no quarto, deito-me e recordo como tu me lias antes de adormecer. Tenho cuidado a minha aparência, sei o tipo de roupa que gostavas que eu vestisse e podes, quem sabe, um dia ver-me de longe ou vir ter comigo, e, se isso acontecer, não quero que encontres nada estranho.
Também tenho tentado fomentar os aspectos da minha personalidade dos quais gostavas tanto. Sou melhor pessoa, mantenho-me alegre e optimista, defendo-me melhor.

Hoje, se estivesses aqui, falar-te-ia de que a vida decidiu mostrar-me o seu rosto menos agradável. Talvez um dos momentos mais angustiantes da minha existência. Eu aguardo, como tu me ensinaste, com a teoria de que o tempo põe tudo no seu lugar, só é preciso deixa-lo decorrer à velocidade que ele decida. Entretanto fico aqui, tentando não desesperar, um dia de cada vez.
Vês? Eu continuo a pensar em ti, embora saiba que não voltarás, como dizia o poeta:

“Ah silenciosa!
É esta a solidão de que tu estás ausente.
Chove. O vento do mar caça errantes gaivotas.
A água anda descalça pelas ruas molhadas.
Daquela árvore se queixam, como doentes, as folhas.
Abelha branca, ausente, ainda zumbes na minha alma.
Tu revives no tempo, fina e silenciosa.
Ah silenciosa!”